terça-feira, 31 de maio de 2011

O bronze que valeu ouro

A maioria dos atletas fica lembrada pelas suas conquistas, em geral medalhas de ouro. Mas um brasileiro ficou marcado para sempre na história dos Jogos pela sua atitude desportiva na Olimpíada de 2004, em Atenas. Vanderlei Cordeiro de Lima tinha 36 anos quando ganhou a Medalha Pierre de Coubertin, concedida a atletas que valorizam o esporte mais que a vitória, um dos prêmios mais nobres concedido pelo Comité Olímpico Internacional (COI).

O brasileiro recebeu a honraria após a sua memorável participação na maratona olímpica – modalidade considerada a mais tradicional e que, por isso, marca o encerramento dos Jogos. Vanderlei liderava a prova até o 36° quilômetro, a seis do final, quando em um dos momentos mais críticos da prova, Vanderlei foi atacado pelo ex-sacerdote Cornelius Horan, que invadira a pista. O golpe do fanático religioso irlandês derrubou o atleta, que teve que ser socorrido por alguns espectadores, numa das cenas mais lamentáveis e, ao mesmo tempo, memoráveis da história das Olimpíadas.

Vanderlei perdeu fôlego, tempo e duas posições com o incidente, mas ainda conseguiu completar a prova em terceiro lugar. Ao entrar no estádio Panathinaikos, ele foi aplaudido de pé pelos fãs do esporte que esperavam por sua chegada, e vibraram mais do que quando o italiano Stefano Baldini cruzou a linha de chegada na primeira colocação. Mostrando seu espírito esportivo, Vanderlei adentrou ao local final da prova fazendo o aviãozinho, gesto que ficou conhecido mundialmente, e com um belo sorriso estampado no rosto.

Durante a premiação, o brasileiro nem parecia ter perdido o primeiro lugar por causa do maluco irlandês. Sua alegria e vibração contagiavam todos que estavam no ginásio. Cornelius Horan, que atrapalhou o brasileiro, não foi preso. Essa não havia sido a primeira vez que ele invadira um evento esportivo: em 2003, ele se infiltrou no Grande Premio de Silverstone de Fórmula 1, vencido por Rubens Barrichello, com uma faixa implorando que todos lessem a bíblia.

Além da medalha olímpica de bronze, Vanderlei Cordeiro de Lima conquistou dois ouros nos Jogos Panamericanos de Winnipeg, em 1999, e em Santo Domingo, em 2003. O herói olímpico se aposentou em 31 de dezembro de 2008, na corrida de São Silvestre e, atualmente, participa de provas promocionais de seus patrocinadores. 

Confira abaixo o vídeo que mostra a invasão do padre irlandês, a recuperação do brasileiro e a chegada ao Estádio Olímpico, ao som de “Tente Outra Vez”, de Raúl Seixas:  


terça-feira, 24 de maio de 2011

Entrevista com o campeão

No último post, o blog contou um pouco da trajetória do iatista Torben Grael, passando pelo início de sua carreira até suas principais conquistas. Agora, para completar, Heróis Olímpicos do Brasil traz para você uma entrevista exclusiva com o maior atleta olímpico de nossa história.

Paulistano, radicado no Rio de Janeiro, Torben conquistou duas medalhas de ouro (1996 e 2004), uma de prata (1984) e duas de bronze (1988 e 2000). Atualmente, aos 50 anos, Torben segue praticando o esporte e promete brigar com o também bi-campeão olímpico Robert Sheidt por uma vaga na classe Star para os Jogos do ano que vem, em Londres.

Em conversa realizada via e-mail, Torben falou sobre as maiores conquistas de sua carreira, do ambiente na vila olímpica e de seus próximos desafios no esporte. Quanto à escolha do Rio de Janeiro como sede dos Jogos de 2016, o iatista torce para que haja melhorias no desenvolvimento dos esportes no País, mas se mostra um pouco decepcionado com o que tem visto até agora. Confira a entrevista na íntegra:

Heróis Olímpicos BR: De todas as Olimpíadas que você disputou, alguma ficou marcada em especial? Por quais motivos?
Torben Grael: Toda Olimpíada é muito especial. Se você conquistar uma medalha, mais ainda. Mas Atenas onde conquistei o segundo ouro foi o mais espcial, porque me elevou ao nível de maior atleta olímpico do País e por ter sido num lugar também especial para o Olimpismo.

HoBR: Quais as maiores lembranças que você tem daquela competição e como foi a preparação para atingir esse feito?
TG: Só tenho lembranças maravilhosas de lá. Deu tudo certo. Tínhamos nos preparado especialmente bem e chegamos lá muito confiantes por isso. As condições nos eram favoráveis e acabamos vencendo por antecipação, o que é pouco comum em nosso esporte.

HoBR: Como é o ambiente dentro da vila olímpica? Você se lembra de alguma história engraçada ou curiosa que tenha ocorrido durante uma Olimpíada que possa contar?
TG: Temos inúmeras histórias, algumas melhor nem contar (risos). Uma coisa interessante é que, em 2004, da nossa casa que se chamava Centauros (os quartos era divididos por nomes e não números), vieram quatro medalhas de ouro: no Iatismo classes Star e Laser, Vôlei de praia e Vôlei de quadra. Curioso, não?

HoBR:  Você foi vitorioso em todas as categorias que disputou no iatismo, mas você tem preferência por alguma delas em especial?
TG: É verdade, e isso é uma coisa realmente que me dá muita satisfação, mas Olimpíada é sempre mais especial para qualquer esporte.

HoBR: Quais são seus próximos desafios no esporte? Você pretende aumentar ainda mais o seu recorde como atleta olímpico?
TG: Como todo esportista, sempre procuro meus limites. A tarefa, porém, é cada vez mais dificil...

HoBR: O que você achou da escolha do Rio de Janeiro como sede dos Jogos de 2016? Você vê o Brasil em condições de realizar um evento desse porte e acredita que ele deixará um bom legado para o País?  
TG: Achei que a escolha do Rio como sede Olímpica em 2016 pudesse trazer uma transformação em politicas esportivas e na importância do esporte no nosso país. Mas estou cada vez mais cético quanto a estas mudanças.

HoBR: Além do iatismo, quais outros esportes você gosta de praticar ou assistir? 
TG: Adoro assistir esportes, especialmente o tênis, que também pratico, assim como o vôlei.

HoBR: Em quais modalidades ou atletas brasileiros você aposta para os próximos Jogos de 2012, em Londres?
TG: Torço para que meu esporte consiga manter a tradição de bons resultados.

terça-feira, 17 de maio de 2011

O rei dos mares

O Brasil deve sete medalhas olímpicas de sua história aos Schmidt, uma família dinamarquesa de velejadores. Mas quando deixou a Escandinávia rumo às terras tropicais no início do século passado, Preben, mal sabia que dois de seus netos se tornariam grandes nomes do esporte olimpico brasileiro. O mais velho, Torben, o maior deles, com cinco medalhas conquistadas, sendo duas de ouro.  

Torben Schimidt Grael nasceu em São Paulo, em 1960, mas se criou em Niterói (RJ), onde teve seu primeiro contato, aos sete anos, com o iatismo – esporte realizado com barcos movidos por propulsão à vela, com a ajuda dos ventos.

Incentivado pela família materna – todos velejadores – e pelo pai, um militar do Exército, Torben passou a velejar regularmente com seus irmãos Axel e Lars, na Bahia de Guanabara. O último, quatro anos mais novo seria seu primeiro grande parceiro na carreira. Presente de seu avô Preben, o primeiro barco que utilizou se chamava Aileen e havia sido usado por três velejadores dinamarqueses, medalhistas de prata nas Olimpíadas de 1912, em Estocolmo.

A primeira conquista veio em terras portuguesas, em 1983.  Ao lado de Lars, Torben venceu o campeonato mundial da classe Snipe, em Porto, naquele que seria apenas o primeiro de mais de trinta títulos conquistados na vela.

No ano seguinte, Torben conquistou sua primeira medalha olímpica: prata, na categoria Soling, nos Jogos de Los Angeles. A partir daí, o atleta passou a se dedicar à categoria Star, onde obteve resultados impressionantes que o levaram ao degrau mais alto do pódio nos Jogos Olímpicos.

Torben, no entanto teve que esperar mais três Olimpíadas para chegar ao primeiro ouro. Em 88, foi bronze, em Seul.  Mas em 1996, nos jogos de Atlanta, nos Estados Unidos, sua hora finalmente havia chegado e Torben pôde enfim ouvir o hino nacional, com a medalha de ouro no peito. Esses foram os jogos em que o Brasil conquistou o maior número de medalhas de sua história: 15, sendo três de ouro, três de prata e nove de bronze – um deles conquistado por seu irmão Lars.

Quatro anos depois, Torben foi bronze, nas Olímpiadas de Sidney, na Austrália. Paralelamente às conquistas olímpicas, o brasileiro venceu seis campeonatos mundiais e chegou à final de uma America’s Cup – a mais importante regata da Vela no mundo.

Porém, sua grande consagração veio em 2004, justamente em Atenas, o berço dos Jogos Olímpicos. Torben foi ouro na classe Star e se tornou o maior atleta olímpico brasileiro de todos os tempos. Atualmente, é seguido pelo também iatista Robert Scheidt (que também receberá um post especial), que possuí quatro medalhas, sendo duas de ouro, uma delas também conquistada nos Jogos da Grécia.

Em 2007, Torben anunciou que não disputaria os Jogos de Pequim, no ano seguinte, abrindo mão de expandir seu recorde e passou a se dedicar apenas à vela oceânica. Ao longo de sua carreira, o brasileiro brilhou também na categoria match race, uma competição entre apenas dois barcos. 

Seu irmão Lars, completa com mais um bronze, conquistado em 88, o quadro de sete medalhas da família Shmidt Grael na história dos Jogos. Se vivo, vovô Preben estaria muito orgulhoso.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

O primeiro tiro certo

É de se estranhar, mas a história olímpica do Brasil - um dos países mais pacíficos do planeta, e famoso por grandes equipes e atletas de futebol e vôlei – teve início justamente com uma bala de revólver. O disparo certeiro de Guilherme Paraense, nas Olimpíadas da Antuérpia em 1920, abriu o caminho de conquistas olímpicas nacionais e escreveu uma das páginas mais curiosas da história dos Jogos.

Naquele ano, a equipe de tiro, uma das poucas a representar o Brasil em sua primeira participação nos Jogos, viajou de navio rumo ao continente europeu. Avisados de que não chegariam a tempo ao local dos jogos por vias marítimas, a tripulação decidiu desembarcar em Lisboa, de onde viajariam de trem até a Bélgica, com parada em Paris.

Após 27 dias, a delegação brasileira desembarcou na Antuérpia em condições precárias e, para piorar, teve seu equipamento roubado em uma das ferrovias. Os brasileiros só puderam disputar os jogos devido a um belo gesto da equipe americana, que em uma das maiores demonstrações de espírito esportivo emprestou suas armas a Paraense e seus companheiros.

E foi graças à solidariedade rival e à pontaria certeira de Guilherme Paraense que o Brasil conquistou sua primeira medalha em Olimpíadas, o ouro na categoria tiro rápido (25 metros). No desempate, o brasileiro foi o único a acertar um disparo na mosca e com 274 pontos, de 300 em disputa, subiu ao lugar mais alto do pódio aos 36 anos.

A equipe de tiro ainda conquistou duas medalhas, uma de prata, com Afrânio da Costa na categoria pistola livre de 50 metros, e uma de bronze, na mesma categoria, por equipe. Sem apoio financeiro, o time brasileiro não pode defender seus feitos nos Jogos de 1924, em Paris.

Apesar de ter entrado para a história como o primeiro herói olímpico do Brasil, Guilherme Paraense foi mais reverenciado na Europa do que em seu próprio país. Nascido em Belém do Pará, em 1884, viajou jovem ao Rio de Janeiro onde ingressou na Escola Militar. Baixinho, mas com bom porte físico, Paraense se destacava por suas habilidades em tiros curtos.

Além do ouro olímpico, conquistou também a primeira colocação nos Jogos Atléticos Sul-Americanos de 1922, além de seis campeonatos nacionais. Seu grande amigo e companheiro no esporte foi Afrânio da Costa. Apesar de seus incríveis feitos, Paraense não quis competir nos Jogos de 1932 e 1936.

O primeiro herói olímpico do Brasil ostentou sua longa barba branca até os 83 anos de idade, quando um certeiro ataque cardíaco o abateu no Rio de Janeiro, em 1968. O Brasil não conquista medalhas no tiro desde os Jogos da Antuérpia, marcados pelo drama da viagem, pela pontaria dos brasileiros e a solidariedade americana.